Há alguns anos atrás tive a honra de ser entrevistado pelo autor bestseller William Simon (ver o clipe) para uma autobiografia sobre a minha vida. Nunca terminámos na realidade o livro, mas pode ler um excerto aqui sobre como achei o meu professor.
Michael e sua família agora acomodados em Israel, viviam numa penthouse com mordomo, uma fonte de jardim e muitas conveniências da alta tecnologia. Ele e Olga haviam escolhido o conforto de Rehovot, a 32 quilómetros para sul de Tel Aviv, onde podiam escutar os sons da noite e ver as galáxias sem as estridentes interferências das luzes citadinas ou sirenes.
Passados dois anos de trabalhar com um avião de de caça F4 Phantom, Michael podia respirar de alívio, ele havia completado o seu serviço militar requisitado. A clínica dentária produzia com sucesso um vencimento atractivo e seguro. E ele era prospero o suficiente para ter um Buick negro de vidros fumados. Muitas pessoas teriam colocado seus pés sobre uma secretaria e dito, “Consegui.” Mas não este homem. No silencio de Rehovot, Michael estava agitado com as mesmas questões que haviam mantido sua vida um alvoroço durante tantos anos.
Então chegou o dia na clínica dentaria em 1978 em que um homem limpo e barbeado surgiu para uma entrevista. Ele chegou na hora em que Michael estava ocupado a reparar uma das máquinas da clínica. Chaim Malka tinha a estrutura óssea cinzelada de um Europeu embora ele fosse de Marrocos. Apesar da sua educação universitária, ele tinha um emprego como técnico de manutenção de uma fábrica.
Gentil e útil, Chaim anunciou que o seu trabalho dentário podia esperar e entrou para ajudar Michael com o trabalho de reparação. Falando enquanto trabalhavam, os dois homens descobriram um interesse compartilhado em Cabala.
Então começaram a reunir-se à noite para ler Cabala na companhia um do outro. Nesta altura Michael podia ter seu Hebraico de conversação mas ainda lutava com a versão antiga e bíblica da língua. Chaim começou a ler alto para que ambos pudessem acompanhar o ritmo. As sessões nocturnas rapidamente se tornaram seu foco condutor, cinco horas de uma vez, cinco noites por semana.
O par de buscadores dedicados examinava textos antigos de Cabala, questionando-se com cada frase. Eles faziam um ao outro perguntas e compartilhavam possíveis interpretações. Continuavam a tentar, esperando achar algumas pequenas verdades que pudessem descortinar. Mas somente em versões popularizadas oferecendo observações superficiais podiam eles perceber o sentido. Estes escritos simplificados não forneciam a profundidade que estes buscadores necessitavam; as palavras careciam de qualquer coisa cientifica, como ler versões banda-desenhada de literatura clássica. Todavia, quando quer que regressassem à Cabala clássica, esbarravam com outro muro de pedra.
Havia uma enorme diferença entre onde eles estavam e onde os livros estavam. Não a podíamos cruzar.
Atónitos de todos os lados, deixados ao desamparo, Michael assombrava as livrarias de Israel comprando tudo sobre Cabala que podia encontrar. Ele atravessou períodos de desespero forte o suficiente para lhe dar vontade de desistir. Mas o desejo continuava a se renovar, o impelindo a continuar o esforço. Para Chaim a obrigação não era tão forte mas ele lealmente a demonstrava.
Os dois viajaram juntos para visitar vários professores de Cabala, um após o outro. Michael viu que Chaim era mais tolerante para instrutores de Cabala que encontravam. Se um professor era incapaz de apresentar provas, Chaim era suave no seu criticismo enquanto as reacções de Michael eram impacientes e exigentes.
Meu carácter não mudou desde que era criança. Sou extremo na concentração de obter a minha meta, dificilmente capaz de pensar sobre qualquer outra coisa. O resto da minha vida é secundária. Até quando estava com minha família, pensava sobre o propósito da vida.
Podia sentir que o problema se tratava das forças que gerem nosso mundo e tinha um pressentimento que as respostas estavam na Cabala.
Eles estavam frustrados por não serem capazes de desbloquear essas respostas. Com o tempo Michael veio a perceber que quando a natureza lhe dá tal desejo de conhecer a verdade sobre a vida, ela também fornece o meio para achar a resposta. Este foi o combustível que nutriu sua motivação para continuar a procurar.
Michael encontrou um professor respeitado de Cabala em Jerusalém. Ele e Chaim estudaram com este Cabalista praticamente todas as noites durante seis meses, embora fosse uma hora e meia de condução cada dia. Hoje Michael diz da experiência, nada ganhei que tivesse ficado comigo.
Ele já não se recorda certamente durante quanto tempo os dois amigos lutaram com os textos de Cabala sozinhos e procuraram ajuda de professores que não tinham respostas válidas para oferecer. Pelo menos dois anos, pensa ele. Talvez três.
Uma noite, num impulso, Michael colocou na sua mente a coisa que ele conseguiu pensar que Chaim ainda não havia experimentado. A cerca de 32 quilómetros para o norte estava a cidade de Bnei Brak, conhecida pela sua população ortodoxa. Talvez ali pudessem encontrar alguém capaz de explicar Cabala de uma maneira racional. Chaim concordou na hora os dois se reuniram e saíram na noite fria e ventosa de inverno. Eles entraram no automóvel de Michael, compartilhando a esperança que o aquecedor rapidamente começasse a trabalhar e começaram a viagem de trinta minutos para a sua esperada iluminação.
Chuva caia enquanto conduziam de algumas mãos cheias de lojas inclassificáveis para uma cidade tão pequena que era marcada somente por dois cruzamentos. Agora oito da noite, as ruas estavam todas senão desertas na gélida escuridão. Conduziria este trilho a lado nenhum? Somente outra viagem inútil? Outra noite desperdiçada?
Um homem solitário estava na rua, um dos muito ortodoxos, vestido todo de preto. Michael parou o automóvel, baixou uma das janelas e clamou uma pergunta quase como graça, uma amarga tentativa de humor num espírito de desespero. “Onde se estuda Cabala por aqui?”
Foi um momento absudista equivalente a perguntar a um estrangeiro em Nova Iorque, “Você conhece o meu Tio Max?” Até num cenário Judeu Ortodoxo, em Israel, a ideia de que certo estranho teria uma resposta para tal pergunta era ridícula. Pior, não se faz simplesmente uma pergunta destas a um estranho Ortodoxo na rua. Para os Ortodoxos, a Cabala é o oposto da religião.
Mas o homem de negro respondeu como se o pedido fosse uma coisa diária.
“Vire à esquerda e vá sempre em frente,” disse o homem. “Quando chegar ao pomar, verá uma casa à sua esquerda.”
Seguindo as direcções do homem, eles chegaram a um pomar de laranjeiras. E lá estava a casa, situada tal como o homem havia descrito, mas escondida e decrepita, parecendo-se a uma cena de um filme de terror.
Depois de nos esforçarmos de todas as maneiras possíveis, somos derradeiramente trazidos ao lugar certo, diz Michael.
Eles estacionaram e caminharam até à casa. Estava escuro no interior. O lugar parecia vazio. Chuva empurrada pelo vento esguichava pelas janelas quebradas. Os dois concordaram que a busca era inútil. Subitamente espiaram um único raio de luz vindo de debaixo de uma das portas. Michael audaciosamente abriu a porta para revelar meia dúzia de homens velhos vestidos em fatos negros tradicionais dos Ortodoxos, cada um com uma barba branca imaculada. Contra o frio amargo da sala sem aquecimento, todos os homens estavam envoltos de camisolas pesadas, usando luvas negras e com lenços à volta de seus pescoços. Velhas cadeiras de madeira estavam encostadas a uma mesa maltratada com rachas tão grandes que se podiam colocar livros para servir como estante. Numa das extremidades da mesa, numa poltrona sólida com um pedestal cravado para pousar seu livro, se sentava um homem para o qual todos os outros se deferiam.
Ninguém parecia surpreso com a súbita chegada dos dois estranhos. “Ouvimos dizer que se podia estudar Cabala aqui,” anunciou Michael. Sem palavra, o líder fez um gesto para que tomassem lugares.
Os homens continuaram a ler à luz de uma única lâmpada fluorescente, trocando muito poucas palavras. Não era de todo o tipo de estudo que Michael esperava. O líder não explicava, os outros não questionavam, sondavam ou buscavam. Só liam. Quando falavam algumas palavras, Michael reconhecia os idiomas como Iídiche e a há muito não usada língua dos tempos antigos, Aramaico. Ele não falava nenhuma delas, nem Chaim.
Depois de observar esta cena curiosa durante alguns minutos, Michael cedeu à sua impaciência habitual, acotovelou Chaim e gesticulou com sua cabeça: “Vamos embora.” Chaim, o sempre gentil cavalheiro, sussurrou que seria indelicado partirem. Michael resmungou concordar esperar.
A sessão terminou não pouco depois. O líder, a quem os outros se dirigiam como “Rabash,” perguntou a Michael e Chaim de onde eram eles, que trabalho faziam e o que pretendiam. Suas respostas pareciam satisfazê-lo Em Hebraico disse ele, “Dêem-me os vossos números de telefone, eu arranjo-vos um professor.” Chaim deu seu número mas Michael estava tão desiludido e desconcertado pelo que havia visto que nem sequer se incomodou.
O par não havia tido sucesso na sua missão. No caminho para casa, o assobio do vento ecoava nos seus sentimentos de vazio, Michael queixava-se amargamente com esta tentativa falhada, tal como tantas outras. Uma após a outra, os professores todos haviam se provado serem somente contadores de histórias que não tinham respostas para as suas perguntas. E este grupo era ainda pior. Eles eram todos tão velhos, seis homens anciãos, que tinham eles para oferecer?
No dia seguinte no trabalho Michael atendeu o telefone para escutar a voz excitada de Chaim. O velho homem havia ligado como prometido. Ele tinha decidido um professor para eles, alguém que lhes falaria em Hebraico. Michael disse que não havia sentido voltar para trás. Era apenas outra perda de tempo. Mas Chaim havia sido treinado numa yeshivá, uma escola religiosa e assim tinha uma reverência natural por pessoas religiosas. Ele argumentou que deviam tentar pelo menos durante um pouco. Quando Michael hesitou, ele pediu. Contra seu melhor julgamento mas pelo bem da sua amizade, Michael abdicou.
Eles regressaram nessa mesma noite, conduzindo novamente trinta minutos na escuridão embora desta vez em melhor tempo. Chegando à casa, eles encontraram o professor que lhes havia sido atribuído. Michael não estava tão seguro. Enquanto o homem os conduzia para outra sala, Michael tirava-lhe as medidas. Ele tinha cerca de sessenta e cinco anos ou setenta, baixo e dobrado, com olhos vermelhos e o obrigatório cabelo branco e barba. O homem apresentou-se a si mesmo como Hillel Gelbshtein e convidou o par a se dirigir a ele pelo seu primeiro nome. Por respeito eles chamavam-lhe “Rav Hillel,” usando um título tradicional de respeito.
Mais tarde Michael viria a saber que Gelbshtein era o neto modesto do homem que havia iniciado o movimento religioso Judaico, Chabad. Hillel deixou o movimento Chabad aos dezoito anos de idade depois de ser apresentado à Cabala e desde então dedicou sua vida a estudá-la.
Gelbshtein havia comprado cópias do Zohar e um livro de acompanhamento, o volume um de O Prefácio à Sabedoria da Cabala, para cada um de seus dois novos estudantes. Ele começou a ensinar-lhes do volume da Sabedoria. Michael fortaleceu-se: ele e Chaim já haviam passado por este mesmo livro, não uma mas várias vezes. Eles não haviam entendido uma única coisa.
Mas quando Rav Hillel abriu o livro e começou a explicar, dentro do primeiro parágrafo ou dois subitamente senti meus olhos e coração a abrir. Seu vocabulário não continha coisa nenhuma sobre “acreditar,” ou sobre o que você “deve fazer.” Em vez disso, era uma precisa explicação cientifica sobre a estrutura da realidade, as leis que operam neste mundo e no mundo espiritual.
Dentro de dois minutos, era óbvio que o que ele nos contava era lógico e real. Senti por dentro que a natureza realmente operava da maneira que ele descrevia e que eu e todos os humanos funcionavam dessa maneira. Suas palavras eram sem emoção, mas devido à exactidão de sua explicação da natureza, achei-as muito, muito emotivas. Ardia em excitação. Numerosas contradições que não havia sido capaz de reconciliar subitamente se clarificaram. Ele estava juntar as peças. Ele criava um mosaico colorido. Minha desilusão havia sido transformada em deleite. Senti-me lavado com uma alegria diferente a qualquer coisa que havia sentido, uma sensação de alívio e uma quente satisfação.
Fiquei cheio de feroz excitação. Finalmente senti a vida como digna de viver. Minha atitude para a vida e para o mundo haviam melhorado. Até me tornei mais tolerante das pessoas com as quais havia percebido ter sido duro.
Todos os dias despertava com uma sensação de alegria, ardendo com desejo de ir para a minha lição, escutar a minha gravação das lições no automóvel no caminho, pensando constantemente sobre como as coisas que escutava correspondiam a tudo o que havia aprendido na ciência e medicina. Comecei a compreender-me a mim mesmo. Comecei a compreender todos os passados anos da minha busca. E comecei a compreender como isto me ligava a mim a toda a história humana.
Com cada passo de entrar em contacto com a sabedoria da Cabala, podia ver claramente como o mundo físico segue leis e forças espirituais. E como a Cabala até descreve como os planetas e galáxias do universo inteiro se comportam.
Desde cedo, Michael sentia uma conexão intangível entre o líder deste grupo matinal e Baal HaSulam, autor dos melhores livros modernos que explicam e interpretam as obras mais seminais da Cabala. Michael e Chaim haviam derramado sobre seus escritos e os estudaram cuidadosamente e todavia nunca conseguiram perceber o conhecimento eles ofereciam. Com o tempo Rav Hillel satisfez a curiosidade de Michael, certamente havia uma conexão entre os dois homens. O verdadeiro nome do autor reverenciado como Baal HaSulam era Rabbi Yehuda Ashlag, que havia morrido cerca de trinta e cinco anos mais cedo. O líder do seu pequeno grupo de estudo, Rabash, era o filho mais velho desse homem, Rabbi Baruch Ashlag.
A sensação misteriosa de conexão estava finalmente explicada. O homem que passava suas manhãs e noites a ensinar a uma mão cheia de anciãos numa casa precária no pomar havia sido treinado em Cabala pelo maior Cabalista do século 20.
Publicado originalmente no The Times of Israel