Do livro “Os Benefícios da Nova Economia”
A chave para a felicidade não é a riqueza, mas uma conexão de responsabilidade mútua entre nós
Pontos-chave
- Estudos comprovam que, além de certo rendimento, a renda adicional não necessariamente aumenta a felicidade.
- Quando atingir uma meta que estabelecemos para nós mesmos, a satisfação é breve e fugaz.
- Medir o bem-estar e qualidade de vida pelo crescimento do produto interno bruto distorce a imagem real.
- Outras medidas como o valor das relações humanas podem representar a felicidade pessoal com mais sucesso.
- Educar para a responsabilidade mútua e da solidariedade social vai mudar as relações humanas.
O Estudo da Felicidade
A máxima: “O dinheiro não pode comprar felicidade”, foi confirmada em uma série de estudos em economia e psicologia. Esses estudos mostram que, apesar do aumento do padrão de vida e de riqueza nos países industrializados, o nível de felicidade permanece estagnado. Em 1974, Professor de Economia na Universidade do Sul da Califórnia, Richard A. Easterlin publicou um estudo pioneiro.
A publicação, “O Crescimento Económico Melhora a Porção Humana? Alguma Evidência Empírica,” [39] , estabeleceu o que hoje é conhecido como “O Paradoxo Easterlin”, um conceito chave na economia felicidade. O paradoxo afirma que em comparações internacionais, o nível médio de felicidade relatado não varia muito com o rendimento nacional por pessoa, pelo menos para os países com renda suficiente para satisfazer as necessidades básicas. Easterlin argumentou que a felicidade pessoal não depende de renda absoluta das pessoas, mas da relativa. As pessoas não são infelizes porque são pobres, mas porque são (ou percebem-se) na parte inferior de uma escala em que se medem.
Abaixo está um diagrama demonstrando renda média comparada com a felicidade nos Estados Unidos, 1957-2002, divulgado pelo World Watch Institute, em 2004 27:
Easterlin não era o único que tinha dúvidas de que uma economia de sucesso é medida pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e os parâmetros relacionados a isto. Em uma palestra no TED, Ideas Worth Spreading,28 Nic Marks, Nic Marks, fundador do Centro de Bem-Estar no New Economics Foundation (NEF), fez alguns argumentos muito contundentes sobre como medir a felicidade. “Como é louco que essa nossa medida de progresso, a nossa medida dominante do progresso na sociedade, está medindo tudo, exceto aquilo que faz a vida valer a pena [bem-estar]? Um dos problemas que enfrentamos… é que as únicas pessoas que têm conquistado o mercado em termos de progresso é uma definição financeira de que o progresso é uma definição econômica… que de alguma forma, se obtivermos os números certos para ir para cima, seremos melhores… que de alguma forma a vida ficará melhor. Isto é de alguma forma atraente para a cobiça humana… que mais é melhor. Vamos! No mundo ocidental, temos o suficiente.”
A crise econômica como uma oportunidade de examinar o paradigma econômico
O estudo da felicidade é cada vez mais pertinente do que nunca nestes dias de crise global. A equação: riqueza = felicidade está na base dos paradigmas econômicos existentes. Em grande medida, determina o nosso modo de vida, sua qualidade, nossas relações interpessoais e as relações entre cidadãos e Estado. Em grande medida, a crença de que a riqueza = felicidade também afeta a natureza do sistema internacional econômico inteiro.
Cada calouro da faculdade entende que a expressão, “maximizando a utilidade sob um limite de orçamento existente”, é o mesmo que o nível máximo de felicidade que pode ser obtido com uma determinada quantia de dinheiro. A crise contemporânea é uma oportunidade para analisar se o atual paradigma econômico e o sistema de vida existente realmente alcançaram seus objetivos e proporcionar às pessoas felicidade.
Realidade vs. o Sonho Americano
Em seu livro de 1931, The Epic of America, escritor e historiador americano James Truslow Adams, cunhou o termo, “O Sonho Americano”. Ele escreveu: “A vida deve ser melhor e mais rica e mais plena para todos os homens, com oportunidade para cada um de acordo com a sua capacidade ou realização” 29
Esse sonho tornou-se a aspiração não só de todas as crianças e adultos na América, mas o sonho de milhares de milhões em todo o mundo. Este sonho se traduz na crença de que para ser feliz, é preciso ter uma casa própria, de preferência uma grande casa, para uma única família, em bairro bom, dois carros por família, e uma economia substancial para os anos dourados. Nesse sonho, cada nova chegada à América pode se tornar rica e próspera, apenas se a pessoa trabalhar duro o suficiente.
Infelizmente, a realidade de hoje não é O Sonho Americano. Na realidade, milhares de pessoas na América não podem trabalhar duro e fazer seus sonhos se tornarem realidade, simplesmente porque não conseguem um emprego. Os sistemas de saúde e bem-estar são tão desiguais e deformados que só perpetuam as desigualdades socioeconômicas. Na verdade, poucas pessoas realizam O Sonho Americano, enquanto o resto continua a lutar para evitar a pobreza.
Mas a maior surpresa sobre O Sonho Americano não é que apenas poucos tornam esse sonho realidade. Pelo contrário, é o fato de que mesmo aqueles que conseguem não são mais felizes!
Felicidade — Não É uma Ciência Exata
Tal Ben Shahar é um PhD em comportamento organizacional e um renomado professor e escritor sobre a psicologia positiva e liderança. Ele afirma que a raiz de sensações negativas é interna — um conceito errôneo de felicidade que causa frustração prolongada. Em uma entrevista com o jornal israelense Calcalist, ele diz: “As pessoas de sucesso, muitas vezes experimentam níveis mais elevados de depressão ou insatisfação. A principal razão para isso é que o mecanismo operando dentro de muitos de nós nos faz pensar que quando recebemos algo — um aumento, um carro novo, ou uma nova casa — seremos felizes. Dessa forma, vivemos com a sensação de que temos algo a procurar. O problema é que quando conseguimos o objetivo que tínhamos definido a sensação de satisfação e alegria que deriva é temporária e desaparece rapidamente. Nós experimentamos um aumento no nível de felicidade, mas rapidamente voltamos ao lugar de onde viemos antes de obter o que queríamos, só que agora estamos desapontados e, por vezes perdidos. Esse mecanismo de felicidade é defeituoso desde o núcleo. Paradoxalmente, ele nos faz muito mais infelizes, especialmente quando obtemos o que queremos” 30.
A Grama do vizinho É Mais Verde
Outra razão para a diferença entre renda e felicidade é a nossa tendência a medir-nos em relação aos outros, mais comumente conhecido como “Mantendo o passo com o vizinho”. Numerosos estudos em economia comportamental mostram que as pessoas se comportam irracionalmente quando se comparam a outros. Como os economistas David Hemenway e Sara Solnick demonstraram em um estudo na Universidade de Harvard, muitas pessoas preferem receber um salário anual de US $ 50.000 quando outros recebem $ 25.000, depois ganhar US $ 100.000 por ano, quando os outros estão ganhando $ 200.00031. Da mesma forma, os economistas Daniel Zizzo e Andrew Oswald realizaram um estudo que mostrou que as pessoas que desistiriam do dinheiro, se outras pessoas desistissem de uma quantia um pouco maior.32
Riqueza Significa Segurança Financeira — ou Faz Isto?
Estudos foram realizados para determinar se uma pessoa com uma renda maior teria menos preocupações, em comparação com uma pessoa que mal podia fazer face às suas despesas. Os resultados foram fascinantes. A professora de economia comportamental da Universidade de Princeton, Talya Miron-Shatz, testou a conexão entre o nível de renda e senso de segurança financeira. Ela descobriu que a “segurança financeira contribui para a predição de satisfação com a vida, acima da contribuição de renda” 33.
O Mundo Está Mudando, e Assim É a Percepção de Felicidade
Os resultados dos estudos acima referidos, e em muitos mais, desafiam as convenções mais fundamentais da nossa sociedade. Estamos começando a perceber que a equação atual de dinheiro = felicidade simplesmente não é verdade. Em vez disso, a busca de riqueza causa frustração, prejudica a nossa saúde, e danifica as nossas relações com os outros por cultivar concorrência e egocentrismo. Nosso pensamento está começando a mudar a partir do sentido individualista – competitivo para um que seja mais equilibrado e harmonioso com o ambiente e com os outros.
O nosso comportamento como consumidores, nossa atitude em relação ao dinheiro, e as satisfações atribuídas a ter dinheiro estão começando a ajustar-se à realidade global e interconectada em que vivemos, onde estamos todos ligados uns aos outros, afetando uns aos outros como peças de um quebra-cabeças mundial. Nesse sistema, que pode ser chamado de “global-integral”, estamos começando a sentir o vazio dos valores do consumismo e a busca de bens materiais. Aqueles que se esforçam por eles e acreditam que o dinheiro significa felicidade estão começando a perceber que os métodos tradicionais para obter a felicidade já não estão funcionando porque o mundo mudou para uma unidade global-integral. Por esta razão não podemos chegar à felicidade se esta não está ligada à felicidade dos outros, e certamente não se vem à custa dos outros.
Capitalismo e Felicidade — Não é o Que Você Pensava
Em 20 de janeiro de 2011, o professor de Economia Política, Robert Skidelsky, membro da Câmara dos Lordes britânica e autor de uma biografia premiada do economista John Maynard Keynes, escreveu,34 “O capitalismo pode estar próximo de esgotar seu potencial para criar uma vida melhor, pelo menos nos países ricos do mundo”. Por “melhor”, quero dizer melhor eticamente, não materialmente. …Foi, e é, um excelente sistema para superar a escassez. Ao organizar a produção de forma eficiente, e dirigindo-a para a busca do bem-estar, em vez de poder, levou uma grande parte do mundo a sair da pobreza.
“No entanto, o que acontece a esse sistema quando a escassez tem se tornado abundância”? Será que é só continuar a produzir mais do mesmo, estimulando apetites cansados com novos dispositivos, emoções e excitações? Quanto tempo isso pode continuar? Gastaremos o próximo século chafurdando na trivialidade?…
“Na verdade, o ‘espírito do capitalismo’ entrou para assuntos humanos um pouco tarde na história”. Antes disso… Uma pessoa que dedicava sua vida a fazer o dinheiro não era considerada um bom modelo. …Foi só no século 18 que a ganância se tornou moralmente respeitável. …Isto inspirou o Modo de Vida Americano, onde o dinheiro sempre fala mais alto.
“O fim do capitalismo significa simplesmente o fim do desejo de ouvi-lo. As pessoas começam a aproveitar o que eles têm, ao invés de sempre querer mais… Como mais e mais pessoas encontram-se com o suficiente, pode-se esperar que o espírito de ganho perca a sua aprovação social. O capitalismo teria feito o seu trabalho, e o lucro vai retomar o seu lugar na galeria dos vilões”.
““…A evidência sugere que as economias seriam mais estáveis e os cidadãos mais felizes se a riqueza e renda fossem mais bem distribuídas. A justificativa econômica para grandes desigualdades de renda — a necessidade de estimular as pessoas a serem mais produtivas — desmorona quando o crescimento deixa de ser tão importante.
“Talvez o socialismo não seja uma alternativa ao capitalismo, mas o seu herdeiro. Ele herdará a terra não pela remoção dos ricos de suas propriedades, mas fornecendo motivos e incentivos para os comportamentos que não estão relacionados com a acumulação de riqueza”.
A Economia como um Reflexo das Relações Humanas
A razão pela qual a suposição de que uma grande renda signifique mais felicidade não reflete a realidade já que nos esquecemos de que a economia inclui um elemento dominante humano. É um elemento complexo, não uma ciência exata. E acima de tudo, é difícil medir o elemento humano.
A economia comportamental já provou que o homem não é uma máquina racional. Em 1979, os professores Daniel Kahneman e Amos Tversky apresentaram a teoria da “Perspectiva”, pela qual Kahneman ganhou o Prêmio Nobel de Economia (seis anos após a morte de Tversky). A pesquisa mostrou que as pessoas são incapazes de analisar situações de decisão complexas quando as futuras consequências são incertas. Em vez disso, confiam em atalhos, que parecem fazer sentido, ou regras de ouro, com poucas pessoas avaliando sua probabilidade subjacente35.
Os estudos mencionados acima de Hemenway e Solnick, assim como muitos outros estudos, indicam que a economia diz respeito às relações humanas, tanto quanto ela explora a forma como os seres humanos conduzem seus negócios.
A solução — Relações Baseadas na Responsabilidade Mútua
Pela maioria dos indicadores, a humanidade chegou a um ponto de inflexão. Desespero e depressão em todo o mundo tornaram-se muito prevalentes. Na Europa, um estudo revelou que, “Quase 40 por cento dos europeus tem doenças mentais” 36
O abuso de drogas e álcool está em alta e a taxa de divórcio em todo o mundo ocidental está subindo rapidamente. Os dados mostram claramente que estamos perdendo as esperanças, estamos inseguros e pessimistas, mesmo com a perspectiva de nossos filhos tenham uma vida melhor que a nossa37. Esta tendência já existe há alguns anos, mesmo em tempos economicamente mais otimistas, mas a crise atual é acelerar e intensificar a tendência ao pessimismo.
Então, o que pode nos fazer feliz? Claramente, cada pessoa precisa ter renda suficiente para a subsistência digna, permitindo que as necessidades da vida sejam cumpridas, tais como alimentação, vestuário, habitação, saúde e educação. Mas, além disso, como foi demonstrado acima, um aumento no bem-estar só é possível por meio da melhoria das relações humanas, e não por aumento de patrimônio pessoal. Precisamos mudar de uma atitude de alienação a uma de consideração e de responsabilidade mútua, onde todos são fiadores do bem-estar uns dos outros.
Com um mundo global e estreitamente integrado, temos que ajustar nossas conexões em conformidade. Devemos chegar a sentir que os sistemas sociais e econômicos e interações humanas são baseados no cuidado, consideração e responsabilidade mútua. Quando as pessoas se sentem confiantes de que não serão exploradas ou usadas, elas abaixam suas barreiras de defesa contra os outros. Em outras palavras, precisamos de responsabilidade mútua, a fim de sermos felizes, e a responsabilidade mútua não pode ser comprada com dinheiro.
A importância dos estudos apresentados acima e de outros semelhantes a eles é que eles provam que a riqueza não é um pré-requisito para a felicidade. Em vez disso, o cuidado, consideração, responsabilidade mútua e segurança financeira são os melhores meios para a obtenção de felicidade do que apenas ser rico. Se conseguirmos criar um ambiente que instiga valores de solidariedade, cuidado com os outros, e de responsabilidade mútua, seremos capazes de aumentar o nível de felicidade pessoal de cada pessoa na sociedade. É por isso que a responsabilidade mútua é tão importante.
Nós não nascemos iguais, alguns nascem mais inteligentes, alguns mais fortes, outros mais ricos, e alguns com melhor saúde. Enquanto a sociedade continua a dizer-nos que temos de competir com os outros, ultrapassá-los em dinheiro e recursos, não vamos alcançar a igualdade social, e em um mundo global integral, igualdade social e responsabilidade mútua são condições prévias para a felicidade pessoal. Para resolver os problemas mentais, emocionais, econômicos e financeiros de nosso mundo, nós devemos criar uma sociedade baseada em uma rede de responsabilidade mútua, em que cada pessoa participa nas atividades da sociedade e recebe dela o que se precisa para sustento razoável. Quando criamos essa sociedade, haverá a verdadeira igualdade, e o sentimento de injustiça e depravação que prevalecem no clima social de hoje serão coisas do passado.
A chave para a solução está em cultivar valores como a generosidade, a consideração e o cuidado mútuo para substituir os valores do materialismo e da competitividade. Isto aumentará a sensação de felicidade, também. Nós descobriremos que realizar o nosso potencial só é possível em uma sociedade que se conduz pelo princípio da responsabilidade mútua. A satisfação, confiança e segurança que derivará de viver em uma sociedade harmoniosa nos trará a felicidade que almejamos e temos sido incapazes de alcançar por meios monetários.
27 Brian Halweil and Lisa Mastny (project directors), State of the World 2004: A Worldwatch Institute Report on Progress Toward a Sustainable Society, Linda Starke, Editor (N.Y., W.W. Norton & Company, Inc., 2004), http://ec- web.elthamcollege.vic.edu.au/snrlibrary/resources/subjects/geography/world_watch_institute/pdf/ESW040.pdf, Figure 8-1, p 166
28 Nic Marks, “The Happy Planet Index,” TED, Ideas Worth Spreading (July 2010), http://www.ted.com/talks/nic_marks_the_happy_planet_index.html
29 James Truslow Adams, The Epic of America (U.S.A. Taylor & Francis, 1935), 415
30 Tal Ben Shahar, “Our Happiness Scheme is Wrong, and Then Comes Frustration, Calcalist (17 de Abril de 2011), http://www.calcalist.co.il/local/articles/0,7340,L-3515186,00.html
31 Solnick, S.J., & Hemenway, D., (1998). “Is more always better? A survey on positional concerns.” Journal of
Economic Behavior & Organization, 37 (3), 373-383.
32 The study is quoted in an online essay, “Misery Loves Company: Recession Edition,” in the blog, Macro and Other Market Musings (December 27, 2008), http://macromarketmusings.blogspot.com/2008/12/misery-loves- company-recession-edition.html
33 Talya Miron-Shatz, “‘Am I going to be happy and financially stable?’: How American women feel when they think about financial security,” Judgment and Decision Making, vol. 4, no. 1, February 2009, Princeton University, pp. 102-112 (http://journal.sjdm.org/9118/jdm9118.html#note1)
34 Robert Skidelsky, “Life after Capitalism,” Project Syndicate (January 20, 2011), http://www.project- syndicate.org/commentary/skidelsky37/English
35 Daniel Kahneman, Encyclopædia Britannica, http://www.britannica.com/EBchecked/topic/891306/Daniel- Kahneman
36 “Fast 40 Prozent der Europäer sind psychisch krank” (translation: “Nearly 40 percent of Europeans are mentally ill”), Der Spiegel (September 5, 2011), http://www.spiegel.de/wissenschaft/medizin/0,1518,784400,00.html
37 Toby Helm, “Most Britons believe children will have worse lives than their parents – poll,” The Guardian (3 de Dezember de 2011), http://www.guardian.co.uk/society/2011/dec/03/britons-children-lives-parents- poll?INTCMP=SRCH