Do livro “A Psicologia da Sociedade Integral”
– E qual é nosso “Eu” verdadeiro?
– Nosso “Eu” verdadeiro é completamente amorfo. Ele não tem qualquer imagem.
– Ele é integral?
– Não. A integralidade nos força a estar em algum tipo de papeis ou imagens todas ao mesmo tempo. Mas nosso desejo original não tem qualquer forma.
– Na pedagogia há uma técnica chamada “a máscara da agressão” onde um adulto finge estar zangado, mas na realidade ele está a tratar a criança gentilmente. Como é que a criança deve realmente experimentar um certo sentimento, por exemplo, raiva, ou deve ela aprender a representar estes sentimentos?
– Isto depende da idade da criança. É claro, antes dos 11 ou 12, ou talvez antes dos 13 anos de idade, elas não podem estar em diferentes imagens internas e externas em simultâneo. Nesta idade uma pessoa não é multifacetada ainda. Mas novamente, imenso depende da prática. Se as crianças tentarem constantemente expressar-se em novas formas, elas serão capazes de fazer isso numa idade mais jovem também. E não há dúvida que na adolescência elas já podem estar em vários papeis com múltiplas camadas e mudarem estas mascaras muito rapidamente.
– Elas não se devem identificar com estes estados?
– Esta representação não é auto-engano. Eles não mentem às outras pessoas fazendo-o. Uma pessoa se conforma ao trabalho do mecanismo comum, da sociedade, em prol de trazê-la à harmonia.
Qual é o sentido de pensar, “Eu fui criado deste jeito e isso é tudo. Eu não mudo, que os outros se conformem a mim, que os outros se quebrem a si mesmos”? No final, a pessoa não ganhará nada com isso. Então que tipo de comunicação deve resultar disso? Como seria a pessoa ser capaz de sentir e experimentar o seu verdadeiro e superior eu? Ela não sentiria.
– Então isso significa que ensinamos ainda assim a criança a estar em vários estados simultaneamente?
– Nós estamos a ensinar as crianças a se “vestirem” de formas diferentes, como se estivessem a transfigurar. Toda a criança vai acumular estes papeis dentro dela, será capaz de trabalhar com eles, entender o que ela experimenta e verá que nada é positivo ou negativo, mas tudo é relativo. O “Eu” existe somente em prol de se conectar com os outros.
Portanto, por dentro, toda a pessoa acumula papeis, habilidades, entendimento e mais importante, um novo nível de comunicação.
– Em cada transfiguração, em qualquer papel, um actor permanece em controle de si mesmo. Durante a representação ele mantém sempre uma certa sensação de que ele olha para si mesmo do alto, passo a expressão. Isto está correcto? Ou deve ele se entregar ao papel completamente e perder o seu auto-controle, tentando sair de si mesmo ao máximo?
– Não penso que possamos exigir tudo das crianças de imediato? Inicialmente damos-lhes somente uma tarefa. Gradualmente, enquanto elas se habituam a representar vários papeis, colocamos tarefas secundárias e terciárias ante elas. Por exemplo, primeiro você tem de entrar no personagem de alguém e continuar a estar em controle de você mesmo, representando um papel dualista.
Dentro do mecanismo que estamos a discutir, uma pessoa tem de comunicar com todas as outras pessoas no mundo. Para isso ela tem de senti-las com tanta força que através delas ela sentirá um terceiro e quarto plano.
Eu represento você, me “vestindo” em você. E para fazer isso eu estudo a sua personalidade e as suas qualidades. Deste jeito, internamente experimentando a sua personagem, eu imagino como você se relaciona aos seus filhos, por exemplo. E esse é já um terceiro plano. E etc.
– Diferentes crianças têm diferentes talentos e suas habilidades de representar não são as mesmas. Este tipo de transfiguração é fácil para uma pessoa mas difícil para a outra. Devemos igualar as crianças ou separá-las? Por exemplo, devem as crianças especialmente dotadas estudar num grupo e aquelas que acham a representação mais difícil ser colocadas noutro?
– Um grupo tem de ser um grupo e seu progresso tem de ser coeso. Uma criança deve ser acostumada a isso. Gradualmente, as crianças mudarão, se acostumarão uma à outra e aprenderão a se entender umas às outras. É assim que elas vão crescer, juntas.
Este tipo de desenvolvimento está programado em toda a humanidade. Não devemos mudar isto ou criar uma espécie de grupos universais ou artificiais. Tudo isto assusta a criança imenso, a privando da confiança e chance para se desenvolver.
– O que devemos fazer se uma criança achar que é agradável e fácil entrar noutro personagem, enquanto outra fica embaraçada e tem dificuldade em superar essa sensação?
– Uma criança aprenderá estando perto dos amigos capazes. O inteiro processo tem de estar direccionado para os seus amigos a atraírem para a representação e ajudando-a. Isto depende do educador. E não importa se a criança começa representando papeis secundários. Enquanto ela aprende, ela vai avançar.
Não acho que o grupo deve ser dividido naqueles que são melhores e naqueles que são piores. Quando as crianças se juntam em grupos maiores (grupos de 20, 30, ou mais, em vez de 10), elas se tornarão uma espécie de mini-sociedade que inclua pessoas diversas de diferentes personalidades.