Um Mau Dia para os Judeus
O Talmude (Maséchet Taanit) diz-nos: “Cinco coisas aconteceram a nossos pais no 17 de Tamuz e cinco no 9 de Av [os dias que marcam o começo e o fim das Três Semanas (Bein Hametzarim)]. No 17 de Tamuz as Primeiras Tábuas se quebraram, o fogo eterno se extinguiu, o muro da cidade foi rompido, Apostomus queimou a Torá e colocou um ídolo no Templo. No 9 de Av nossos pais foram banidos de entrar na terra, o Primeiro e Segundo Tempos foram arruinados, Beitar foi conquistada e [no mesmo dia um ano mais tarde] a cidade foi arrasada.”
A história cheia de horror do 9 de Av não termina com a ruína do Templo. Durante a história, este dia do ano tem estado carregado de calamidades. A expulsão de 1290 dos Judeus da Inglaterra e a conhecida expulsão de 1492 dos Judeus de Espanha ambas aconteceram no 9 de Av. Mais perto do nosso tempo, no 9 de Av de 1942, os Nazis começaram a deportação em massa de 300,000 Judeus do gueto de Varsóvia para o campo de extermínio de Treblinka.
Desde o nascimento de nossa nação, o 9 de Av tem sido um mau dia para os Judeus.
Por Quê Especificamente Nesse Dia?
O calendário hebraico reflecte mais que nossa história. Num nível mais profundo, ele reflecte um processo de transformação de seres egocêntricos, cujos corações são maus desde sua juventude, como a Torá narra (Génesis 8:21), numa nação conectada e mutuamente responsável, cujos membros estão unidos “como um homem com um coração.” Neste ciclo, o 9 de Av marca um ponto de crise, quando viramos nossas costas à união e perdoamos o egocentrismo.
A ruína do Segundo Templo é certamente o evento mais traumático que aconteceu no 9 de Av. Contudo, não é a catástrofe em si que devemos lamentar, mas em vez disso nossa perda de amor de uns pelos outros, que a induziu.
Entre o Amor e Ódio
No ciclo do nosso desenvolvimento, começamos como puros egoístas. Nada queremos senão aquilo que é bom para nós, sem qualquer preocupação pelos outros. “O pecado rasteja à porta,” nos diz a Torá e assim todos nos comportamos.
Porém, se o propósito da nossa vida fosse nos acomodarmos a ser a espécie no topo da cadeia alimentar, não procuraríamos a imortalidade, superioridade, reconhecimento e outras ambições unicamente humanas. Não precisaríamos de inventar todo o que criamos durante séculos; lanças e flechas seriam suficientes. Os humanos aspiram constantemente à perfeição e eternidade. Queremos saber o que criou o mundo, como ele opera e por quê. Numa palavra, a humanidade quer ser como o Criador do mundo, seu proprietário. Embora isto possa não ser verdade para você e para mim pessoalmente, sem estes impulsos básicos não desenvolveríamos a ciência, pensamento crítico, competições atléticas, ou perseguiríamos todos os tipos de envolvimentos que dizem respeito à nossa existência humana, além da nossa sobrevivência física.
O ego humano é diferente daquele dos animais. Ele é a força condutora por trás do nosso desenvolvimento. E enquanto a natureza equilibra o egocentrismo dos animais, equilibrar o egocentrismo humano requer nosso esforço consciente.
Abraão, o homem da misericórdia, foi o primeiro a achar um método para conter o egoísmo humano. Ele e seus descendentes desenvolveram-o até que uma nação baseada na misericórdia e união fosse formada. Mas no pé do Monte Sinai, a montanha de Sina’á [ódio], sucumbimos aos nossos egos em vez de recebermos a Torá, o poder da conexão, nos voltámos para o ídolo do ego, o bezerro de ouro. Portanto, as Tábuas se quebraram.
Todavia, nossa nação emergiu dessa crise. Nós juramos ser “como um homem com um coração,” portanto recebemos a Torá e nos foi dada a tarefa de sermos “uma luz para as nações” ao espalhar o poder da união.
Na batalha entre o amor e ódio, o método que os antigos hebreus haviam desenvolvido era destinado a conduzir o mundo para a derradeira vitória do amor sobre o ódio. Este método muito simplesmente afirma que se equilibrarmos nosso egoísmo com o amor pelos outros, permitimos a cada pessoa realizar o seu potencial completo, enquanto usando essa realização para o bem comum. Deste modo nós “cobrimos” nossos egos com amor, ou como o coloca o Rei Salomão (Provérbios, 10:12): “Ódio incita à contenda e o amor cobre todos os crimes.” Ao assim fazermos, desbloqueamos o poder da conexão que criou o mundo e que agora o sustenta. Este é o sentido interior da recepção da Torá.
A Última Fronteira
Cada ano que chegamos a Tishá B’Av [9 de Av], lamentamos a ruína do Templo devido a nosso ódio infundado. E todavia, cada ano nos tornamos mais impregnados no nosso ódio recíproco. Então de que servem nossas lágrimas?
Qual é o sentido de chorar pela passada ruína se ao mesmo tempo preparamos nossa própria destruição devido à exacta mesma razão que nos demoliu anteriormente? Não aprendemos realmente nada do passado? Quantas mais ruínas precisamos de experimentar devido a nossa aversão recíproca até que nos tornemos finalmente mais sábios?
O extermínio iminente do povo judeu colocará a um canto qualquer coisa que alguma vez tenhamos experimentado, incluindo a ruína do Segundo Templo e incluindo até o Holocausto, que, incidentalmente, extinguiu a vasta maioria da minha própria família.
Nós estamos na última perna da nossa jornada, a última fronteira na batalha entre o amor e o ódio. O ódio que agora aparece será o mais intenso de sempre e ele voltará sua ira contra os Judeus. Não podemos mitigá-lo de qualquer forma, mas podemos e devemos, cobri-lo com amor, tal como antes fizemos.
Esta é nossa vocação enquanto Judeus. Essa é a realização da nossa missão de sermos “uma luz para as nações.” Como disse numerosas vezes anteriormente, na internet e nas páginas do The New York Times, devemos cobrir nosso ódio com preocupação de uns pelos outros e deste modo dar um exemplo de união ao mundo. Podemos fazer isto voluntária e agradavelmente, ou seremos forçados a isso pela fúria do mundo. De uma maneira ou de outra, vamos fazê-lo.
Então neste Tishá B’Av, vamos pensar mais sobre nosso futuro e nosso papel. Vamos focar-nos em construir o tempo vindouro e tornemos a ruína do passado a pedra angular do nosso futuro feliz e seguro.
Publicado originalmente no The Jerusalem Post