Este ano, sejamos “uma luz para as nações” pela primeira vez nos tempos modernos.
Cada ano, enquanto (a habitualmente extensa) família se reúne à volta da mesa de Rosh ha’Shaná, uma tagarelice animada preenche o ar. Todavia, frequentemente, uma narrativa muito Judaica assume o controle e a conversa pacífica se transforma num gracejo, que por sua vez se torna o favorito Judaico de todos os tempos: “O Jogo dos Culpados.” Então este ano, se tivermos de discutir, façamos-o por um tema realmente controverso: união. Ou, mais precisamente, a união do povo Judeu.
Mas o que é a união de qualquer modo e quem precisa dela? União é uma sensação de pertença, de preocupação e responsabilidade mútua. É cuidar de outra pessoa tão afectuosamente que os desejos dela se tornam seus, também. União é aquilo que sentimos numa verdadeira família. Quem não quereria isso?
E ainda assim, por que devemos unir-nos com pessoas de quem não gostamos? Não podemos ter tudo sem nos unirmos com estranhos? Materialmente falando, provavelmente teremos a maioria de tudo aquilo que quisermos. Mas se os bens materiais nos fizessem felizes, nossa sociedade Ocidental não estaria empestada de depressão, agressão, escapismo e narcisismo. O ingrediente que falta para a felicidade nas nossas vidas são interligações positivas. Se expulsássemos a cisma, alienação e ódio de nossas vidas e colocássemos no seu lugar a confiança, proximidade e cooperação, alguma vez seríamos infelizes?
Certamente, quando você chega à origem de todos nossos problemas, descobre que a causa basilar de todo o sofrimento humano é a própria natureza humana. Cure isto e terá curado todas as coisas.
Nossos Antepassados e Antepassadas Souberam Disso Primeiro
Abraão foi o primeiro a reparar que o ego é a raiz de nossos problemas. O Midrash (Bereshit Rába) conta-nos que quando Abraão reparou que seus conterrâneos se estavam a tornar egocêntricos e alienados uns dos outros, ele e Sara abriram sua tenda para todos e lhes ensinaram sobre misericórdia e camaradagem.
Depois de Nimrod ter expulso Abraão da Babilónia por espalhar suas ideias de união, ele deambulou com sua comitiva até Canaã e no caminho ele pegava em qualquer um que valorizasse a ideia da união.
Este foi o núcleo do povo de Israel. Sucede-se que nossos antepassados foram um fenómeno único, formando uma nação que não é baseada numa cultura e língua compartilhadas, ou afinidade biológica, mas sobre uma ideia comum — de que a união é a chave para nossa felicidade.
Quando saímos do Egipto. Moisés levou nossa união um passo em frente quando nos comprometemos a ser “como um homem com um coração.” Somente depois de nos termos comprometido a este princípio nos tornámos “oficialmente” uma nação.
Como Abraão, Moisés não pretendia manter a união exclusivamente para os Judeus. Escreve o Ramchal (O Comentário de Ramchal sobre a Torá) que “Moisés desejou completar a correcção do mundo nesse tempo, mas ele não teve sucesso devido às corrupções que ocorreram no caminho.”
Portanto, em vez da correcção completa, Moisés nos legou uma tarefa: de sermos “uma luz para as nações” ao transmitirmos a união para todas as pessoas que não puderam recebê-la através de Abraão ou Moisés.
Lutar pelo Amor
Não foi fácil, mas nossos antepassados se esforçaram muito para manter sua união. Também eles, experimentaram explosões de egoísmo, mas aprenderam como solidificar seu laço ao equilibrarem seus egos através do amor pelos outros.
O Livro do Zohar (Aharei Mot) descreve o intenso ódio que os primeiros Judeus experimentaram e como mantiveram no coração a meta final — de trazer a união e amor pelos outros ao mundo inteiro: “‘Eis, quão bom e quão agradável é que os irmãos também se sentem juntos.’ Os amigos, enquanto se sentam juntos, primeiro parecem homens na guerra, desejando se matar uns aos outros. Então, retornam eles a estar no amor fraterno. …E vós, os amigos que aqui estão, tal como haveis estado em afeição e amor anteriormente, doravante também não partirão … E pelo vosso mérito haverá paz no mundo.”
Começa o Ódio Pelos Judeus
Há aproximadamente dois milénios atrás, falhámos alternar de nos querermos matar uns aos outros, como o citado excerto de O Zohar o coloca, para nos amarmos uns aos outros como irmãos. Ódio intenso irrompeu entre nós e causou nosso exílio. Ainda pior, sem nos amarmos uns aos outros, sem união, nos tornamos incapazes de sermos uma luz para as nações. Através do nosso ódio, selámos a porta para a felicidade do mundo.
A sociedade Ocidental de hoje no geral consiste dos descendentes dos Babilónios a quem Abraão e Moisés tentaram unir. Sem nossa união, quem lhes mostrará o caminho?
Assim que nós, os líderes planeados para a coesão, caímos para o ódio sem fundamento, as nações do mundo inconscientemente começaram a nos culpar pelos seus problemas. Por elas não conseguirem articular a natureza da nossa culpa, elas nos acusam de qualquer que seja o problema que enfrentem. Ao mesmo tempo, nós, a nação que em tempos considerava “Ame seu próximo como a si mesmo” como a epítome da nossa lei, abandonou nossa união, esqueceu nossa tarefa e não conseguia entender a ira das nações connosco. Assim começou o que agora definimos como Antissemitismo.
Quanto Maior o Ego, Maior Seu Ódio
Com cada geração que passa, o ego humano se intensifica, nos fazendo procurar nos arruinarmos uns aos outros mais atenta e perversamente. Sem antídoto para nossa crescente malícia, vamos destruir-nos e ao nosso planeta.
O ego se intensifica em ondas que dominam o mundo e então retrocedem e dão repouso à humanidade para a introspecção e correcção. A mais recente onda foi durante a Segunda Guerra Mundial. Agora nos aproximamos de outra onda e como sempre, a ira se voltará contra os Judeus primeiro. E uma vez que nossos egos estão mais nefastos que nunca, como podemos facilmente identificar ao olharmos para o mundo à nossa volta, devemos esperar que a próxima rodada de ódio pelos Judeus seja proporcionalmente mais sinistra.
De Regresso às Bases
Apesar de tudo o citado, podemos inverter a ameaçadora tendência se regressarmos às bases da nossa tribo. Não importa que as nações do mundo não saibam que o que elas precisam de nós é a união ou que nos tenhamos esquecido dos seus méritos. Tudo o que temos de fazer é nos lembrarmos que o “Ódio incita ao conflito e o amor cobre todos os crimes” (Provérbios 10:12).
O amor fraterno entre nós despertará assim que o colocarmos em locomoção através de nossos esforços. Imediatamente depois começaremos uma vez mais a ser “uma luz para as nações” e o mundo começará a mudar sua atitude para nós. É por isso que está escrito, “A principal defesa contra a calamidade é o amor e união. Quando há amor, união e amizade entre uns e outros em Israel, nenhuma calamidade pode cair sobre eles” (Maor VaShemesh).
Esperando salvar seus irmãos na Polónia antes do Holocausto, escreveu Rav Yehuda Ashlag, “A nação Israelita foi estabelecida como uma conduta através da qual centelhas de purificação fluirão para a inteira raça humana pelo mundo.” Nesse tempo, seu grito passou despercebido. Não podemos deixar isto acontecer novamente.
Desistir do Jogo dos Culpados
Este ano, vamos dar ao Jogo dos Culpados um empurrão final pela janela. Rosh ha’Shaná não só é o começo de um novo ano; ele é também Rosh ha’Shinui (o começo da mudança). O ódio do mundo para nós o faz observar todo e cada movimento nosso. Vamos usar isto para nosso próprio benefício e para o do mundo. Vamos unir-nos e mostrar que conseguimos “cobrir nossos crimes com amor.” Vamos pavimentar o caminho para a paz ao fazermos a paz entre nós. Este ano, sejamos “uma luz para as nações” pela primeira vez nos tempos modernos e façamos deste ano o ano da mudança.*
Chag Sameach
Feliz Ano Novo
* Em Israel e pelo mundo, muitas organizações e movimentos se encarregaram de ajudar a unir o povo Judeu. O movimento Arvut (garantia mútua), por exemplo, leva a cabo dezenas de actividades todas as semanas — desde Círculos de Conexão no Calçadão de Tel Aviv até discussões de Educação Integral em estabelecimentos prisionais. Também, as discussões da Mesa Redonda foram conduzidas pelo mundo em prol de promover o valor da união. Nova Iorque e São Francisco (EUA), Toronto (Canadá), Frankfurt e Nuremberga (Alemanha), Roma (Itália), Barcelona (Espanha), São Petersburgo e Perm (Rússia), são apenas alguns dos muitos lugares onde estas actividades de união tomam lugar e com o mesmo sucesso estrondoso que em Israel.
Publicado originalmente no The Jerusalem Post