O muro no qual nos devemos concentrar não é o muro com o México; é aquele que mantém a América dividida.
Observe os últimos meses: Tanta energia e tantos recursos colocados nos conflitos quentes entre as pessoas de visões políticas opostas, culminando numa inauguração presidencial sem precedentes no volume de resistência que a rodeia. A América agora se encontra a si mesma dividida em dois, sendo os preconceitos políticos ainda mais fortes e profundos que os preconceitos raciais. É isto o melhor que uma sociedade do século 21 consegue inventar quanto ao modo de se conduzir a si mesma?
Numa recente palestra Ted, o sócio-psicólogo Jonathan Haidt fala da divisão entre a esquerda e direita como uma que é criticamente importante que a sociedade americana responda, uma que apresenta uma ameaça existencial. O Presidente Trump acaba de dizer no seu discurso de inauguração “devemos debater nossos desacordos honestamente, mas sempre procurar a solidariedade.” Trump e Haidt têm certamente personalidades diferentes em posições muito diferentes, mas ambos entendem que as crescentes tendências de separação e divisão são cruciais.
Na minha visão, a divisão política que hoje vemos não precisa de ser uma realidade eterna que tenhamos de aceitar relutantemente; ela é um desafio evolucionário concebido para nos empurrar para uma ordem social mais viável.
Por Que o Presente Paradigma é Insustentável
A suposta “democracia” de hoje está muito longe da sua forma original e chamar-lhe o “governo do povo” não é uma definição sustentável. Aquilo que temos são ideologias e interesses divergentes que intermitentemente controlam o leme, substituindo uma pela outra passados alguns anos e frequentemente dão o seu melhor para exterminar as concretizações passadas da outra.
Muitos eleitores de Clinton essencialmente só vêm um lado do futuro – fazer com que o Partido Democrata regresse ao poder durante outros quatro ou oito anos. Todavia esta banalidade política de alternar de um partido par ao outro nos escraviza aos interesses estreitos partidários, cria distância do público e gera a divisão social que resulta em crescentes instabilidades de uma maneira geral.
A história nos demonstra que toda a ideologia, se for aplicada sozinha, tem um tempo de vida limitado. Ela pode resultar durante um tempo, mas mais tarde chega a um extremo desequilibrado, que provará o seu fracasso e vai dispor o cenário para que uma ideologia diferente assuma o seu lugar. Acrescentando a isso, quando as ideologias se tornam mais extremistas, elas se tornam muito semelhantes num sentido prático, que ofusca os seus ideais aparentemente opostos. Tomemos como exemplo Hitler e Estaline: líderes de movimentos ideológicos completamente opostos e ainda assim, muitos semelhantes em termos práticos.
Aquilo que agora testemunhamos é como décadas de liberalismo pós-guerra se desintegrou numa ordem neo-liberal em declínio, uma vez que criou uma cultura de idealismo desconexo e não tratou na realidade os problemas públicos em mãos. Em vez disso, ele permitiu o comportamento negligente que colocou nossas sociedades em estados desequilibrados e perigosos. O neo-liberalismo, também, chegou a um extremo onde gradualmente se está a tornar totalitário. Esta morte inevitável é evidente nas crescentes tendências nacionalistas por todo o mundo, que pressionam para uma mudança de percurso.
Porém, a sociedade ocidental de hoje está tão dividida, que ela é incapaz de aceitar mais tal realidade. Nas recentes eleições, testemunhamos quão fanaticamente cada lado sentiu que o outro ameaçava sua própria existência. A resistência para ideologias divergentes é tão forte que muitos não conseguem aceitar os resultados da votação democrática; enquando os líderes reconhecem que devem achar soluções para, de algum modo, curar a divisão, se desejam governar sociedades estáveis.
O presente paradigma de transições artificiais de poder entre ideologias divergentes, apoiado somente por uma parte da população, se tornou cada vez mais perigoso. A prosperidade e estabilidade social só podem ser alcançadas quando pessoas de opiniões e interesses divergentes são capazes de se aproximar sob um propósito compartilhado.
Pensamento Sistémico: A Próxima Vanguarda da Sociedade Humana
Olhando para os sistemas complexos na natureza, vemos que elementos contraditórios se complementam uns aos outros pela sua sobrevivência e progreso. O cérebro, o sistema imuntário, colónias de formigas e a sociedade humana, são todos exemplos de sistemas complexos.
Descobertas na Neuro-psicologia nos ensinam como o comportamento se correlaciona com a actividade cooperativa de muitos milhões de neurónios individuais em vez de uns poucos poderosos favorecidos. Similarmente, o cérebro está tão dividido entre os hemisférios esquerdo e direito, que realizam funções diferentes e contraditórias, mas que todavia trabalham juntos em completa harmonia.
Apesar da sua forma cooperativa, a competição não está ausente dentro de um sistema complexo. Ela opera para manter ou fortalecer certas qualidades enquanto limita ou elimina outras, contribuindo para o estado geral de equilíbrio. Um grande exemplo disto foi a reintrodução de lobos predadores no Parque de Yellowstone, que trouxe consigo a reanimação surpreendente do ecossistema em declínio.
Está na hora de nós reconhecermos que estas leis naturais também se aplicam a nós, enquanto alcançamos um ponto onde a estabilidade do sistema humano depende da nossa capacidade de aderirmos a elas através da complementação recíproca.
Das nossas perspectivas subjectivas, temos tendência para olhar para certos elementos da sociedade como “maus” ou desnecessários. contudo, na natureza, todas as partes são essenciais enquanto servirem o propósito geral: equilibrio e prosperidade do todo.
No seu ensaio, “Paz no mundo,” um dos maiores sábios judeus, Baal HaSulam escreve que “Tudo aquilo que existe na realidade, o bom e o mau e até as coisas mais maléficas e destructoras no nosso mundo – têm o direito a existir e não devem ser exterminadas. A única coisa que devemos fazer é corrigi-las e trazê-las ao seu uso adequado.” Isto pode ser alcançado quando as tendências interiores, sejam elas quais forem, são usadas pelo benefício do todo.
Certamente, os modelos de sistemas complexos há muito são adaptados para explicar o comportamento social humano. Jane Jacobs argumentou no seu livro, Cidades e a Riqueza das Nações: Princípios da Vida Económica, que quando grandes estados-nações governam suas cidades através de controle centralizado e resolução de problemas centralizada, isso pode sufocar a criatividade e impede o desenvolvimento de maiores eficiências.
Então de uma perspectiva sistémica, é uma folia pensar que uma ideologia governante sozinha consegue ter sucesso. As ideologias devem ser tratadas como fenómenos naturais que evoluem nas nossas sociedades. Em vez de levar as ideologias a um extremo, precisamos de conceber um processo onde elas se possam complementar umas às outras e contribuir para a estabilidade e prosperidade da sociedade como um todo.
Como Avançamos Daqui
Falando pragmaticamente, não há um degrau imediato que mude o clima político e social de uma só vez. Ambos os lados seguramente continuarão a lutar um contra o outro como resultado de décadas de doutrinação social e crescente alienação. Precisamos de começar a remediar esta situação com um processo sócio-educativo que gradualmente repare esta mentalidade de divisão.
Precisamos de práticas culturais e exemplos que demonstrem como as decisões podem ser tomadas em conjunto; como os representantes de visões diferentes e até contraditórias se podem sentar juntos e se conectar, somente para achar um entendimento mais elevado das situações e das soluções.
Em tais práticas, ninguém precisa de sacrificar a sua opinião pelo bem da dos outros; em vez disso, algo novo, inclusivo e mais sustentável vai surgir da união dos opostos. Tais experiências vão construir o conhecimento empírico que vamos beneficiar das nossas diferenças. O processo político de tomada de decisões se tornará um processo criativo. Diferentes representantes não visarão se subjugar uns aos outros, mas somar a um sistema que é maior que eles mesmos.
No mundo dos negócios, muitas organizações já estão a praticar isto. Por todo o mundo, meus estudantes conduzem aquilo que chamaram de “Círculos de Conexão.” Nestes círculos, estranhos, pessoas de fundos diferentes e até aquelas envolvidas em conflitos activos tais como Judeus e Árabes, aprendem como se complementar uns aos outros de maneiras que nunca pensaram serem possíveis.
Tratar a Causa Raiz
Como escreveu Paul Laudicina na revista Forbes, resumindo o comício de Davos que tomou lugar este mês, “O Futuro, para nos certificarmos, é altamente incerto. Mas o que está claro como o cristal é que ignorar os sinais de alerta e nada fazer para cruzar estes abismos na riqueza e entendimento nos vai colocar a todos numa má posição.”
Nossos presentes sistemas sócio-políticos têm falhado entender e tratar nossos problemas globais dentro do seu contexto sistémico e interligado. Num mundo onde a disparidade económica se tornou tão radical que já não pode mais ser ignorada e onde a automação se prevê colocar milhões de pessoas em breve sem emprego, nos é dada a oportunidade de mudar fundamentalmente o paradigma social.
Em vez de substituir uma ideologia com outra e lutar pelo poder temporário, precisamos de ir até à raiz da nossa instabilidade constante. As soluções para os nossos problemas dos tempos modernos não se encontrarão na verdade uma pessoa ou da outra, mas na verdade que vive entre nós, na conexão que existe acima de todas as nossas visões e opiniões diferentes. Esta solução começa com todo e cada um de nós, bem como com todos nós juntos.
Publicado originalmente no Huffington Post