Selichot representam a realização de que temos conduzido nossas vidas para a separação em vez da conexão
Quando pensamos em Selichot (pedir perdão), tipicamente pensamos em pessoas ortodoxas que confessam que negligenciaram dizer suas bênçãos da refeição ou que pecaram com pensamentos “imorais”. Há também a parte dos Selichot que trata das relações humanas, onde nos é exigido pedir desculpa às pessoas a quem ofendemos erroneamente no ano passado.
Quando fui apresentado à sabedoria da Cabala, aprendi que há o caminho tradicional e há o caminho da Cabala e que os dois quase nunca se sobrepõem. Há uma razão e mérito para ambos os caminhos, embora os dois sejam mundos distintos. Os Selichot não são excepção.
A Cabala considera a realidade como um sistema e o indivíduo como a única parte dele que tem livre arbítrio. Quanto melhor percebermos o funcionamento do sistema, melhor conseguimos entrar em harmonia com ele para nos beneficiarmos e ao sistema inteiro.
Enquanto examinamos nossa congruência com o sistema da realidade, aprendemos que falhámos e devíamos ter feito as coisas diferentemente. Nosso desejo de fazer as coisas melhor, em maior harmonia com a realidade, é chamado de Slichá (perdão). Não há força toda-poderosa com quem ajustar contas. Há somente nós e como interagimos com nossa realidade.
Onde está Deus?
No começo dos anos 30, o Cabalista Yehuda Ashlag, conhecido como Baal HaSulam (Autor da Escada) pelo seu comentário Sulam (Escada) sobre O Livro do Zohar, publicou uma série de ensaios onde ele salientava a importância da união para o povo de Israel e para o mundo no geral. Em “A Paz,” ele explica que quando falamos da Natureza e quando falamos de Deus estamos na realidade a falar sobre a mesma lei absoluta que governa a realidade. Nas suas palavras: “Podemos chamar às leis de Deus as ‘Mitsvot (mandamentos) da natureza,’ ou vice-versa, pois elas são uma e a mesma coisa.”
Em 1940, alguns anos mais tarde depois da publicação da série que acabo de mencionar, Baal HaSulam publicou um jornal intitulado, A Nação, onde ele sublinhou as subtilezas da sua visão socialista do mundo. Para explicar como todos somos interdependentes, ele usou a formação da Terra para descrever como nossas vidas são compostas de duas forças opostas cuja interacção cria e sustenta a vida.
Baal Hasulam descreveu a evolução como uma luta “entre as duas forças na Terra, a positiva e a negativa.” A força negativa separa e a força positiva conecta.” Todos os corpos orgânicos se desenvolvem pela mesma ordem,” continua ele. “Desde o momento em que são plantados até ao fim do seu amadurecimento, eles atravessam vários períodos de situações devido às duas forças, a positiva e a negativa e sua guerra de uma contra a outra, como descrito a respeito da Terra.”
No final, porém, a força de conexão sempre vence. A evolução avança do simples para o complexo. Os primeiros átomos após o Big Bang eram os átomos mais simples, hidrogénio e hélio, que gradualmente evoluíram para mais complexos. Similarmente, a vida começou com as criaturas unicelulares que evoluíram para seres pluricelulares.
Por outras palavras, todo o processo evolucionário bem sucedido requer interligação e interdependência. Quanto melhor a interacção entre os elementos do sistema, mais complexa a criatura e mais alto o lugar desse ser na hierarquia da evolução.
O Big Bang e o Pecado Primordial
Embora a evolução exija conexão, a existência na realidade começou com uma enorme explosão. O Big Bang criou uma força de separação que enviou o universo para uma jornada interminável de divergência. Hoje chamamos a essa explosão “O Big Bang.”
Como acima descrito, todos os processos que tomam lugar num nível também tomam lugar em todos os outros níveis. Por causa disso, para os cabalistas, a metáfora do pecado da Árvore do Conhecimento é muito fácil de compreender. Aqui houve um homem cujo nome era Adão. Até certo ponto da sua vida ele se sentia conectado a tudo à sua volta. Para ele, a vida era existência em união, um verdadeiro céu na Terra. Todavia, em certo ponto ele sucumbiu ao seu próprio egoísmo e perdeu a sensação da unidade da criação. Este foi o “pecado” que o separou do paraíso.
Contudo, tal como o Big Bang permitiu o começo da busca do homem das forças que criam a realidade. O livro de Adão, Anjo Raziel, alegoricamente descreve estas forças e marca o princípio daquilo que agora chamamos “a sabedoria da Cabala.”
Nosso planeta evoluiu através de eras glaciares e grandes degelos. A humanidade, também, evoluiu através da ascensão e queda de nações e impérios de acordo com o fluxo e refluxo das forças de separação e conexão. Todo este tempo, a “sabedoria das forças ocultas” era conhecida somente pelos poucos que se fascinavam com o universo que os rodeava e questionavam como começou e o que significava.
O Nascimento de uma Nação Única
A mudança começou com Abraão. O Midrash Rába, Maimónides e outras fontes descrevem um homem inquisitivo que pondera e contempla a realidade até “ele soube que havia um Deus [que já dissemos ser a Natureza], e que Ele havia criado todas as coisas” (Maimónides, Mishnê Torá).
A razão para o escrutínio de Abraão foi o estado da sociedade Babilónia, da qual ele fazia parte. Ele viu que os Babilónios “queriam falar a língua uns dos outros mas não conheciam a língua uns dos outros, então cada um pegou na sua espada e lutaram uns contra os outros e metade do mundo ali foi chacinado” (Pirkei de Rabbi Eliezer). Quando Abraão viu que o ódio havia irrompido, ele percebeu que a força de separação estava a dominar novamente. Enquanto aquele que já sabia que sem conexões positivas sua sociedade não podia sobreviver, ele procurou um modo de unir as pessoas.
Eventualmente, escreve Maimónides, Nimrod, Rei da Babilónia, expulsou Abraão da Babilónia. Enquanto ele avançava para Canaã, mais e mais pessoas que concordavam com suas ideias se juntaram a ele até que “uma nação que conhece o Senhor (Natureza) foi feita no mundo.” Assim se formou a nação Judaica.
Essa nação era única. Ela foi forjada através da vontade das pessoas de diferentes tribos e culturas seguirem o ideal da conexão e união. Esta nação aprendeu que quando você “ama seu próximo como a si mesmo” até ser “como um homem com um coração,” também percebe o funcionamento da realidade e seu propósito. Muitos séculos depois de Abraão, Rabbi Akiva resumiu a lei Judaica ao dizer que “Ama teu próximo como a ti mesmo” é o todo da Torá.
Misturai e Espalhai-vos
Quando Abraão se apercebeu que conhecer as forças de conexão e separação era imperativo para nossa felicidade, ele quis que todos soubessem disso. Uma vez que nem todos conseguiam percebê-lo nesse tempo, Abraão aperfeiçoou seu método de conexão acima da separação e manteve-o entre seu povo, os Judeus.
Ainda assim, em prol do mundo saber do método, os Judeus se tiveram de dispersar entre as nações e transmitir seu método. O único problema é que os Judeus estavam dispersos entre as nações não por quererem espalhar sua sabedoria da conexão, mas porque eles mesmos haviam sucumbido para a força da separação e assim foram exilados da sua terra.
O Mundo é Babilónia
Agora que a própria Natureza transformou nosso mundo numa aldeia global, devemos reactivar o método da conexão e compartilhá-lo com todos. Se o evitarmos, a humanidade vai-se explodir a si mesma em pedaços, mas não antes de nos “punir” pelas suas misérias.
É nosso dever superarmos nossa antipatia mútua e procurarmos nos conectar independentemente disso. Enquanto nos esforçamos, diremos nossos Selichot pelo nosso ódio, ou seja descobriremos a verdadeira medida de nosso ódio infundado e a força da conexão vai remendar os rasgões entre nós. Neste processo vamos mostrar ao mundo um caminho para a união apesar da aversão recíproca. Como o colocou Rei Salomão, “O ódio incita ao conflito e o amor cobre todos os crimes” (Provérbios 10:12).
Tal como Abraão se apressou a partilhar sua descoberta imediatamente após a ter achado, devemos redescobrir a força de conexão em prol de a compartilharmos com a humanidade. É nosso dever trazer a luz para as nações e não há outra luz senão a luz da união, a capacidade de nos conectarmos e basearmos nossos relacionamentos em amor em vez de ódio.
Os Selichot, o reconhecimento de nossa distância da união, são portanto um passo vital no nosso movimento na direcção da conexão e compreensão do funcionamento da realidade e do sentido da vida.
Publicado originalmente no Hareetz