Do livro “Como Um Feixe de Juncos”
Se uma pessoa pegasse num feixe de juncos, ela não os conseguiria quebrar todos de uma vez. Mas se pegasse um de cada vez, até uma criança os quebraria. Assim também, Israel não será redimida até que todos sejam um feixe.”
(Midrash Tanhumá, Nitzavim, Capítulo 1)
Durante a história do povo Judeu, união e garantia mútua (conhecida como responsabilidade mútua) têm sido os emblemas de nossa nação. Inumeráveis sábios e líderes espirituais escreveram sobre o significado destas duas marcas registradas, as hasteando como o coração e alma da nossa nação, e declarando que salvação e redenção podem chegar somente quando houver união em Israel.
Na realidade, o conceito de união tem sido tão proeminente que excedeu o da devoção ao Criador e a observação dos mandamentos. Um número considerável de líderes espirituais Judeus e escrituras sagradas durante as gerações sublinham a importância da união acima de tudo. Masechet Dérech Eretz Zuta, escrito aproximadamente na mesma época do Talmude, é uma das numerosas declarações escritas nesse espírito: “Mesmo quando Israel adora ídolos e há paz entre o povo, o Senhor diz, ‘Eu não tenho desejo de lhes fazer mal.’ … Mas se eles são contestados, o que se diz sobre eles? ‘Seu coração está dividido, agora eles carregarão sua culpa’”.2
Depois da ruína do Segundo Templo, a proeminência da união e amor fraterno alcançaram um pico. O Talmude Babilônico, entre muitas outras fontes, ensina-nos que a razão pela qual o Segundo Templo foi arruinado foi ódio sem fundamento e a divisão dentro de Israel. As fontes até declaram que ódio sem fundamento é tão prejudicial, que ele equivale ao impacto dos três grandes males que causaram a ruína do Primeiro Templo, todos juntos: idolatria, incesto e derramamento de sangue. Masechet Yomá ensina-nos essa lição muito claramente: “O Segundo Templo… porque foi ele arruinado? Foi porque havia ódio sem fundamento nele, ensinando-vos que ódio sem fundamento é igual a todas as três transgressões, idolatria, incesto e derramamento de sangue, combinadas.”3
Evidentemente, união, fraternidade, e responsabilidade mútua não estão somente no ADN da nossa nação, elas são a substância da linha da vida que nos poupou de aflições quando as tivemos, e permitiu que aflições se revelassem quando não as tínhamos. Nestes tempos difíceis de benefício próprio e narcisismo, precisamos de união mais que nunca, todavia ela parece mais inacessível que em qualquer outro tempo na história.
Há cerca de quatrocentos séculos atrás, no sopé do Monte Sinai, nos encontramos como um homem com um coração, e ao fazer isso nos tornamos uma nação. Deste então, a união nos sustentou através da chuva e sol, como o reconhecido orador e escritor, Rabi Kalonymus Kalman Halevi Epstein, descreve em sua aclamada composição, Maor va Shemesh (Luz e Sol): “Embora a geração de Ahab fossem idolatras, eles se envolveram em guerra e venceram porque havia união entre eles. É ainda mais quando há união em Israel e eles se envolvem na Torá pelo Seu bem … Com isso, eles subjugam todos aqueles que estão contra eles, e a tudo o que eles dizem com suas bocas, o Senhor concede seus desejos”4
Seguindo Moisés, chegamos a Canaã, a conquistamos, e a tornamos A Terra de Israel, então fomos exilados uma vez mais, desta vez para Babel. E assim que M ordecai nos uniu em Babel, regressamos, embora com praticamente duas das doze tribos originais, e estabelecemos o Segundo Templo. Enquanto mantivemos nossa união, também mantivemos nossa soberania e o Templo. Mas assim que renunciamos ao amor fraterno, fomos esmagados pelo inimigo e fomos exilados nos séculos que se seguiram.
Todavia, divisão e ódio sem fundamento, que causaram a ruína do Segundo Templo e o exílio da nação da sua terra, não aprisionaram nosso desenvolvimento enquanto em exílio. Através de muito dos últimos dois milénios e pouco, mantivemo-nos para nós mesmos, mantendo relativa separação da vida cultural das nações nas quais residíamos.
Mas desde o Iluminismo, gradualmente adotamos uma cultura que hasteia distinção pessoal e realização individual, e tolera a exploração dos fracos e necessitados. Nas últimas várias décadas, sobressaímos tanto na cultura do interesse pessoal e do benefício pessoal que nos tornamos o oposto completo da comunidade preocupada e humana que nutríamos no começo de nossa nação.
No mundo de hoje, o tom e atmosfera predominantes são os do benefício pessoal e egoísmo até ao ponto do narcisismo. No seu livro perspicaz, A Epidemia do Narcisismo: Viver na Era do Benefício Pessoal, os psicólogos Jean M. Twenge e Keith Campbell descrevem ao que se referem como “O crescimento incansável do narcisismo na nossa cultura”,5 e os problemas que causa. Eles explicam que “Os Estados Unidos presentemente sofrem de uma epidemia de narcisismo. …traços de personalidade narcisista aumentaram tão rápido como a obesidade”.
Pior ainda, eles continuam, “O aumento no narcisismo está acelerando, com resultados crescendo mais rápido nos anos 2000 que nas décadas anteriores. Em 2006, um de quatro estudantes de liceu concordavam com a maioria dos itens numa med ida padronizada de traços narcisistas”.6
E a maioria de nós Judeus, progenitores do princípio, “Ama teu próximo como a ti mesmo,” não só nos sentamos e vemos enquanto o egoísmo celebra, mas também nos juntamos à festa, muitos de nós até liderando o grupo, tomando os espólios onde quer que possamos. Abraçamos a máxima, “Quando em Roma, faça como os Romanos,” com entusiasmo espetacular, e ao fazer assim, muitos nomes Judeus se tornaram sinônimos de riqueza e poder. Não há dúvida que não perseguimos riqueza e poder para apresentar nossa herança como superior a dos outros. Contudo, quando os Judeus ganham notoriedade pelas mencionadas duas distinções, eles são notados não só pelos seus ganhos, mas também por sua herança.
Por muito injusto que possa parecer, Judeus e o estado Judeu não são vistos da mesma maneira que são os outros países e nações. Eles são tratados como especiais, tanto positiva como negativamente.
Mas há uma boa razão porque isto assim é. Quando Abraão descobriu a força singular que conduz o mundo, aquele a que nos referimos como “o Criador,” “Deus,” “HaShem, HaVaYaH (Yud-Hey-Vav-Hey, o “Senhor”), ele desejou contar ao mundo inteiro sobre isso. Enquanto babilônio e de elevado estatuto social e espiritual, filho de um fazedor de ídolos e estátuas, ele estava numa posição para ser escutado. Foi somente quando o Rei Nimrod o tentou matar e mais tarde o expulsou da Babilônia que ele foi para outro lugar, eventualmente chegando a Canaã.
Todavia, Rav Moshé Ben Maimon (Maimônides) descreve a toda a hora a maneira como ele continuava à procura de almas gémeas com quem partilhar sua descoberta: “Ele começou a clamar ao mundo inteiro, para alertar que há um Deus para o mundo inteiro… Ele clamava, vagando de cidade em cidade e de reino em reino, até que ele chegou à terra de Canaã… E uma vez que eles [pessoas nos lugares onde ele vagava] se reuniam ao seu redor e lhe perguntavam sobre suas palavras, ele ensinou todos…até que ele os trouxe de volta ao caminho da verdade. Finalmente, milhares e dezenas de milhares se reuniram ao seu redor, e eles são o povo de ‘a casa de Abraão.’ Ele plantou seu princípio nos seus corações, compôs livros sobre isso, e ensinou seu filho, Isaac. E Isaac se sentou, e ensinou, alertou, e informou Jacó, e o nomeou professor, para sentar e ensinar… E Jacó o Patriarca ensinou todos seus filhos, e separou Levi e o nomeou a cabeça, e o fez sentar e aprender o caminho de Deus”…7
De Jacó em diante, narra a reconhecida composição, O Kozari, “Divindade é revelada numa assembleia, e desde então é a contagem pela qual contamos os anos dos antepassados, de acordo com o que foi dado na lei de Moisés [Torá], e sabemos o que se desdobrou desde Moisés até este dia”.8
Assim, a união se tornou uma condição para alcançar a percepção de Deus, ou o Criador, como os Cabalistas frequentemente se referem a Ele (por razões que não descreveremos aqui, pois isso está além da amplitude deste livro). Sem união, a realização era simplesmente impossível. Aqueles que foram capazes de se unir, se tornaram o povo de Israel e alcançaram o Criador, a força singular que cria, governa, e conduz o todo da realidade. Aqueles que não foram capazes de fazê-lo permaneceram sem essa percepção, todavia com uma sensação de que os Israelitas sabiam algo que eles não, e tinham algo que lhes pertencia, também, mas que eles não podiam ter.
Esta é a raiz do ódio a Israel, que mais tarde se tornou antissemitismo. É uma sensação de que os Judeus têm algo que não estão compartilham com o mundo, mas que têm que compartilhar.
Certamente, os Judeus devem partilhá-lo com o mundo. Tal como Abraão tentou partilhar sua descoberta com todos os seus semelhantes babilônios, os Judeus, seus descendentes, devem fazer o mesmo. Este é o significado de ser “Uma luz para as nações”.
Esta é a obrigação para a qual o grande Rav Kook, o primeiro Rabino Chefe de Israel se referiu no seu estilo eloquente e poético quando escreveu, “O movimento genuíno da alma Israelita na sua grandiosidade é expresso somente pela sua força sagrada e eterna, que flui de dentro de seu espírito. Foi isso que a fez, a faz, e a fará ainda uma nação que se encontra como uma luz para as nações, como redenção e salvação para o mundo inteiro para seu próprio propósito especifico, e pelos propósitos globais, que estão interligados.
Este compromisso também é ao que Rav Yehuda Leib Arie Altar se referiu com suas palavras, “Os filhos de Israel são fiadores no sentido que eles receberam a Torá em prol de corrigir o mundo inteiro, as nações, também”.10
E o que é que estamos obrigados a transmitir as nações exatamente? É a união, que um descobre a força única, singular e criadora da vida, o Senhor, ou Deus. Nas palavras de Rabi Shmuel Bornstein, autor de Shem MiShmuel [Um Nome A Partir de Samuel], “A meta da Criação foi para que todos fossem uma associação … Mas devido ao pecado, a matéria tornou-se tão estragada que até os melhores nessas gerações foram incapazes de se unirem juntos para servir o Senhor, mas foram somente u ns poucos.”11
Por esta razão, continua Rabi Bornstein, somente aqueles que se podiam unir o fizeram, enquanto o resto os abandonou até que fossem capazes de se juntar à união. Nas suas palavras, “A correção começou ao fazer uma reunião e associação de pessoas para servir o Criador, começando com Abraão o Patriarca e seus descendentes, para que eles fossem uma comunidade consolidada pela obra de Deus. Sua ideia [do Criador] em separar os povos foi que primeiro Ele causou separação na raça humana, no tempo da Babilônia, e todos os malfeitores foram dispersados… Subsequentemente começou a reunião em prol de servir do Criador, à medida que Abraão o Patriarca foi e clamou pelo nome do Senhor até que uma grande comunidade se reuniu na sua direção, que havia sido chamada ‘o povo da casa de Abraão.’ A matéria continuou a crescer até que se tornou a assembleia da congregação de Israel … e o fim da correção será no futuro, quando todos se tornem uma associação em prol de fazer Vossa vontade com todo o coração.”12
Considerando as presentes circunstâncias globais, parece urgente que todos saibam sobre o conceito de união como um meio para alcançar o Criador. Assim que todos nós saibamos e aceitemos esse princípio, paz e fraternidade naturalmente prevalecerão.
Na realidade, de acordo com o reconhecido Cabalista, Rav Yehuda Ashlag, conhecido como Baal HaSulam [Dono da Escada] pelo seu comentário Sulam [Escada] sobre O Livro do Zohar, a necessidade de conhecer o Criador tem sido urgente há praticamente um século até agora. Em “Paz no Mundo,” um ensaio que data do princípio dos anos 30, Baal HaSulam explica que porque somos todos interdependentes, devemos aplicar as leis de responsabilidade mútua ao mundo inteiro. Enquanto o termo, “globalização,” não era ubíquo em tratados do seu tempo, suas palavras claramente ilustram sua necessidade urgente de tornar o mundo uma única unidade solidificada.
Aqui está a descrição de globalização e interdependência de Baal HaSulam: “Não fique surpreso se eu misturar juntos o bem-estar de um coletivo particular com o bem-estar do mundo inteiro, porque certamente, já chegamos a tal grau que o mundo inteiro é considerado um coletivo e uma sociedade. Isto é, porque cada pessoa no mundo extrai sua essência e vivacidade da vida de todas as pessoas no mundo, um é coagido a servir e cuidar do bem-estar do mundo inteiro.
“…Desta forma, a possibilidade de levar condutas boas, felizes e pacificas num país é inconcebível quando não é assim em todos os países no mundo, e vice -versa. No nosso tempo, os países estão todos ligados na satisfação de suas necessidades da vida, como os indivíduos estavam nas suas famílias em tempos anteriores. Desta forma, não podemos mais falar ou lidar somente com condutas que garantam o bem-estar de um país ou uma nação, mas somente com o bem-estar do mundo inteiro porque o benefício ou dano de toda e cada pessoa no mundo depende e é medido pelo benefício de todas as pessoas no mundo.”13
Contudo, para o mundo alcançar essa união, essa garantia mútua, ele precisa de um modelo exemplar, um grupo ou coletividade que possa implementar a união, alcançar o Criador, e através de exemplo pessoal, pavimentar o caminho para o resto da humanidade. Porque nós Judeus já estivemos nesse ponto, e o mundo sente isso subconscientemente, é nosso dever reacender esse amor fraterno entre nós, alcançar essa força singular, e passar ambos o método de união e a realização do Criador ao resto do mundo. Este é o papel dos Judeus: trazer a luz do Criador para o mundo, ser uma luz para as nações.
Em “O Amor a Deus e o Amor ao Homem”, Baal HaSulam descreve claramente esse modus operandi: “A nação Israelita já foi estabelecida como uma transi ção. À mesma medida que os próprios Israel são purificados ao manter a Torá [a lei (de união), que dissemos na introdução ser uma condição prévia para a realização do Criador], eles transmitem seu poder ao resto das nações. E quando o resto das nações também sentenciam a si mesmas a uma escala de mérito [se unem e alcançam o Criador], o Messias [a força que nos puxa para fora do egoísmo] será revelado.”14
Rav Yehuda Altar similarmente descreve o papel dos Judeus em respeito ao resto das nações: “Pareceria que os filhos de Israel, os recipientes da Torá, são os mutuários e não os fiadores, exceto que os filhos de Israel se tornaram responsáveis pela correção do mundo inteiro através do poder da Torá. É por isso que lhes foi dito, ‘E vós sereis para Mim um reino de sacerdotes e uma nação sagrada’. …E foi a isso que eles responderam, ‘Isso que o Senhor disse, nós faremos’, corrigir o todo da Criação. …Na verdade, tudo depende dos filhos de Israel. Tanto quanto eles se corrigem a si mesmos, todas as criações os seguem. Como os estudantes seguem o Rav [professor] que corrige a si mesmo … em semelhança, o todo da Criação segue os filhos de Israel.”15